quinta-feira, 30 de junho de 2016

Dificuldades do Jejum de Ramadã no Brasil

É possível seguir a religião islâmica no Brasil?

O meio em que se vive interfere, mas não pode servir de desculpa.

A prática do Islamismo é algo que demanda um esforço pessoal imenso, haja vista os cinco pilares que devem ser cumpridos pelos muçulmanos. Mas não se pode negar que todo comportamento, quando é acompanhado pela maioria da sociedade que nos rodeia, torna-se mais "fácil" de ser cumprido. O contrário também é verificável: quando se é minoria em uma sociedade e, principalmente, quando seu comportamento vai de encontro aos costumes locais, a dificuldade de se cumprir estas metas é ainda maior.



Ser muçulmano, no Brasil, é uma tarefa extenuante. Exemplos não faltam: o consumo de carne de porco é proibida, mas em várias ocasiões os brasileiros colocam "porco" na alimentação diária e nem percebem isso. Comer fora de casa, ou até em casa mesmo, é um desafio constante. A época do jejum do Ramadã é outro momento de esforço (Jihad): todos à sua volta estão comendo, bebendo e você tem que se abster de tudo. E tudo isso é possível apenas pela fé em Allah.
Conseguir realizar as cinco orações diárias e visitar as mesquitas nas sextas-feiras é também muito complicado: a correria do dia-a-dia, o trabalho e tudo o mais inviabiliza que consigamos parar para rezar e, pelo mesmo motivo, não conseguimos ir às mesquitas no meio do dia às sextas-feiras.
Enfim, tudo isso, no entanto, não pode servir de desculpa para não cumprirmos as determinações do Islamismo. Temos que colocar as coisas em perspectivas e estabelecer prioridades que, neste caso, tem que ser Allah.

Especifiquemos agora o caso do jejum do mês de Ramadã. Do nascer ao pôr do sol não se deve consumir nenhum alimento, nem bebida, nem mesmo a água, além de se abster das relações sexuais. Particularmente no meu caso o mais difícil é não beber nada. Em todos os locais em que trabalho (sou professor) as pessoas estão comendo algo, bebendo e oferecendo. Além de se abster dos alimentos e das bebidas, percebo que a prática do jejum traz a mim mais calma, eu falo menos, manifesto-me menos e as pessoas acham estranho. Normalmente eu sou uma pessoa expansiva, que sempre está no meio de conversações e brincadeiras. No mês sagrado de Ramadã, por outro lado, torno-me uma pessoa mais introspectiva e "polêmica". A falta de alimentos diminui nossa energia e naturalmente falamos e nos mexemos menos. As pessoas acham estranho este comportamento e sempre perguntam o que está acontecendo de diferente. Sempre me oferecem algum alimento ou chamam para uma situação em que iremos nos alimentar e também acham estranho quando eu nego.
Mas isso torna-se uma oportunidade de divulgação do Islamismo: ao me abster de comer e beber tenho a oportunidade de falar que estou de jejum, que é um jejum religioso, que sou muçulmano e como funciona o jejum de Ramadã. As pessoas acham estranho encontrar um muçulmano (particularmente acho que acham até temeroso), mas surge então a oportunidade de esclarecer o verdadeiro Islã, que nada tem a ver com terrorismo, fanatismo ou machismo tão vinculados na mídia.
Eu já fiz o jejum no verão e no inverno; no calor e no frio; trabalhando e de férias; cada época tem sua dificuldade mas também sua vantagem: no inverno ele termina mais cedo, por volta das 17:30, mas em compensação é necessário acordar mais cedo para tomar a refeição preparatória. No verão é o inverso: tem o problema do calor mas começa mais tarde. No frio a falta de alimentos aumenta a sensação de frio e no calor....bem, no calor o que faz falta mesmo é a água.

No meu caso especial sinto mais falta de bebidas do que de alimentos....mas já me acostumei a me abster e já não sofro muito com o jejum. Existem muitas vantagens no mês de Ramadã: damos mais valor aos alimentos e à água; entendemos o sofrimento daqueles que nada têm para comer; tornamo-nos mais introspectivos e serenos, envolvemo-nos menos em frivolidades e polêmicas. Enfim, é um momento único de concentração, devoção e de reforçar a fé em Allah. Como respondi a uma colega que me perguntou como eu consigo ficar sem comer nada nem beber: a Fé.