As dificuldades de ser muçulmano em um país não-muçulmano:
Não há nenhuma regra que obrigue os muçulmanos e as muçulmanas de viverem apenas em um país muçulmano, ou então conviverem apenas com muçulmanos. Em todos os países e continentes do mundo podemos encontrar muçulmanos vivendo e interagindo com as sociedades locais. Obviamente que cumprir as obrigações religiosas em um país totalmente ou de maioria muçulmana é muito mais "fácil" do que em países como o Brasil, que não apenas é de maioria cristã como, além disso, possui costumes totalmente diferentes e até dificultadores da prática do Islamismo.
O Brasil é um país onde diferentes religiões convivem lado a lado
Quando eu me converti aos 21 anos de idade ao Islamismo as dificuldades eram muito grandes: só para começar, eu não sabia uma única palavra do árabe; não conhecia até o momento ninguém que fosse muçulmano; também tinhas costumes que eram incompatíveis com o Islamismo, entre eles comer qualquer tipo de coisa, inclusive a carne de porco. Foi muito difícil começar a me enquadrar aos costumes e, ainda hoje, 12 anos depois, ainda é muito difícil para mim cumprir todos os rituais e costumes ordenados.
O Brasil é um país de grande sincretismo religioso, além do que o modo como as pessoas se comportam por aqui também dificulta um "comportamento islâmico". No meu caso a conversão, ou melhor, a reversão, foi apenas interna, ou seja, eu não mudei meu dia a dia por causa disso: continuei trabalhando no mesmo lugar, morando no mesmo lugar e tendo contato diário com as mesmas pessoas que tinha antes. Foi um choque para muitas pessoas ao descobrirem que eu era, doravante, muçulmano: "você enlouqueceu? virou terrorista? está drogado? quem foi que fez esta lavagem cerebral em você?".
A minha família não proibiu nem me discriminou por causa disso. Meu pai apenas achou curioso e sarcástico o fato de um jovem que até então fora um cristão - católico - tão dedicado, de repente "virar" um maometano (ele ainda não sabia que é incorreto falar maometano). A princípio ele achava que eu tivesse sido "forçado" ou "doutrinado" por alguém, mas logo ficou claro que a reversão tinha sido por minha livre e espontânea vontade.
Como as pessoas e os lugares que eu frequentava ainda eram os mesmos, eu tive que manter minha rotina, mas mudar meus hábitos com relação a várias coisas. Até porque poucas semanas depois da minha reversão começou o período do Ramadã, o jejum sagrado. Foi difícil, mas consegui.
Ao contrário dos países islâmicos, no Brasil o convívio entre homens e mulheres é extremamente liberal, o que por vezes dificulta as práticas islâmicas
Agora, quais são as coisas que mais dificultam a prática do Islamismo no Brasil?
A prática das orações, que devem ser feitas cinco vezes por dia, são muito dificultadas pelos nossos compromissos diários: ao contrário dos países islâmicos, nada pára nos horários das orações; se você estiver trabalhando ou estudando no momento das orações, não poderá contar com a compreensão das pessoas: as lojas não fecham, as aulas não param e não podemos nos ausentar do trabalho. Além disso, a postura das pessoas nas ruas, as vestimentas, tudo isso também é um fator de dispersão. Para completar, a alimentação, com a restrição à carne de porco, também torna a missão complicada, uma vez que a feijoada é um prato muito comum, além do que o feijão costuma ser preparado com bacon.
Programas de televisão, músicas, danças, jogos...enfim, muitas coisas se tornam incompatíveis com a prática do Islamismo. Eu até cheguei a comentar com um muçulmano mais experiente na mesquita: "eu gostaria de ir morar em um país islâmico, pois lá praticar a religião é bem mais fácil". Mas ele me respondeu: "não faça isso. O valor que você tem por ser muçulmano em um país como o Brasil, que não é islâmico, é muito maior do que o valor dos muçulmanos que já estão em um país islâmico".
Além disso, em um sermão na mesquita, foi falado: "não more perto da mesquita: pois ao morar longe e ainda sim cumprir com seu compromisso de vir à mesquita aumenta ainda mais as bênçãos por você ter vindo até aqui".
Isso sem contar com os preconceitos que um muçulmano está sujeito, sobretudo após o 11/09/2001: ser chamado de terrorista, opressor das mulheres, radical, fanático, fundamentalista e etc. Sempre encontraremos pessoas que julgam todos pela conduta de alguns. Mas longe de ficar enfurecido com isso, vejo nestas ocasiões oportunidades para dirimir erros sobre o Islamismo e explicar um pouco melhor, na medida das minhas capacidades, o que é o Islamismo na verdade.
Ainda é comum encontrarmos pessoas que acham que todos os muçulmanos são terroristas
Graças a Deus ainda não sofri nenhuma agressão por ser muçulmano, nem nunca fui discriminado por isso, ainda que tenha ouvido piadinhas e brincadeiras aqui e ali, mas considero isso normal de um povo como o brasileiro.
Por todos estes motivos, ainda que seja mais difícil ser muçulmano no Brasil ,creio que tem um valor ainda maior do que se eu vivesse, por exemplo, no Egito ou na Arábia Saudita, justamente pelos esforços a mais que são necessários.
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